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“Ainda que o formalismo científico também obrigue o apagamento emocional, como se a razão fosse mais confiável que a emoção….” Bento Áviles

Um dos paradigmas mais importantes do método científico cartesiano e pilar epistemológico do racionalismo científico é a separação entre sujeito e objeto. Segundo esse paradigma, há uma separação clara entre quem estuda e quem é estudado, entre quem observa e quem é observado, entre autor e obra. Dita separação cria também a ideia de que existem leis universais pelo mundo que o pesquisador apenas descobre, não cria. Essa suposta neutralidade na produção científica colocou a ciência num lugar superior a todos os outros saberes não científicos, como os saberes tradicionais, os saberes cotidianos, os saberes do corpo, os saberes espirituais entre outros.

O humano seria, então, o sujeito racional dotado de um método científico preparado para explorar e entender o mundo externo, a natureza, a fim de alcançar o bem-estar do próprio ser humano. A natureza era o objeto passivo disponível aos seres humanos para ser usada como um recurso para o benefício da sociedade.

Segundo Díaz (2011), essa relação de dominação da natureza, uma relação política, foi solidificada na visão de Thomas Hobbes, que atribuiu ao homem o papel de “Deus de próteses”. O homem, capaz de explorar, estudar e entender o mundo externo, também é capaz de interferir na natureza e até mesmo corrigir os erros de Deus.

A internalização do paradigma da separação de sujeito e objeto no cotidiano do homem comum produziu uma relação catastrófica entre o homem e o meio ambiente. O homem não se reconheceu como parte da natureza, que era vista apenas como uma fonte de recursos a serem estudados e explorados. “Se para os antigos o homem era capaz de aprender com a natureza, para a ciência moderna a validade estava em questionar a natureza e torturá-la para que ela revelasse seus segredos. Da natureza nada se aprende e ela deve ser encarada por um inquisidor severo e forçada a revelar seus segredos. Fazê-la “confessar” foi o primeiro passo para subjugá-la. O método experimental foi o majestoso instrumento de tortura, o braço da razão para alcançá-lo.” (DÍAZ, 2011, p. 40)

Uma das grandes rupturas epistemológicas do pensamento complexo de Edgar Morin em relação à ciência clássica é a reintrodução do ser cognoscente no conhecimento que ele produz. Em outras palavras, quando Morin pensa a estruturação das bases metodológicas e a organização dos conhecimentos que sustentam o pensamento complexo, ele propõe o fim da ideia de separação entre sujeito e objeto e, por consequência, o fim da invisibilidade do pesquisador e da ideia de neutralidade científica.

As descobertas científicas que produziram a ruptura no paradigma da separação entre sujeito e objeto surgiram no final dos anos 60 na biologia por meio da consciência ecológica. Essa consciência propõe a reintegração do meio ambiente na consciência antropológica e social do humano, a ressurreição ecossistêmica da ideia de natureza e o reconhecimento da contribuição da biosfera para a consciência planetária (MORIN, 1996). Nas palavras de Morin (1996), o ecossistema significa:

…que em um determinado ambiente, as instâncias geológicas, geográficas, físicas, climatológicas (biótopos) e seres vivos de todos os tipos (…) inter-retro-atuam entre si para gerar e regenerar incessantemente um sistema organizador ou ecossistema produzido por essas mesmas inter-ações retroativas. (…) O ecossistema é autoproduzido, autorregulado e auto-organizado de maneira notável, pois não possui centro de controle, chefe de regulamentação ou programa genético. (MORIN, 1996, p. 3)

A partir desse conceito de ecologia, Morin (1996) desenvolve o princípio da auto-organização ecológica que postula que “…um ser autônomo (autos) não pode ser separado de seu habitat biofísico (oikos), ao mesmo tempo em que o oikos está dentro de autos sem que, por esse motivo, autos deixe de ser autônomo… ”(MORIN, 1996, p.1). Esse paradigma que separa sujeito e objeto implica na existência de uma autonomia e independência do sujeito em relação ao objeto, um conceito refutado por Morin (1996) pelo mesmo princípio de auto-organização ecológica para o qual a autonomia do ser vivo é inseparável de sua dependência.

Bento Aviles unipazsp 2020 400 533

O formalismo da ciência clássica obriga o pesquisador a escrever sua obra sempre em terceira pessoa. Como se o que estivesse sendo dito fosse falado por uma entidade suprema, a ciência, e, assim, livre de subjetividades. Entretanto, ainda que invisibilizado, eu estou aqui. Inteirinho aqui. Eu, Bento. Em cada palavra, cada estrutura frasal, cada escolha semântica que carrega ideologias e crenças, eu estou aqui. Sempre estive. Ainda que o formalismo científico também obrigue o apagamento emocional, como se a razão fosse mais confiável que a emoção, minhas emoções seguem influenciando minha escrita. Quais minhas intenções ao escrever esse artigo? Qual meu lugar de fala? Minha produção está impregnada de mim, ainda que eu tenha disfarçado minha presença nos parágrafos anteriores.

Ao propor a reintrodução do ser cognoscente no conhecimento que ele produz, o pensamento complexo nos convida a olhar criticamente para toda a complexidade envolvida na cadeia de produção científica para sempre se questionar quem produz, para quem produz, sob quais circunstâncias, para atender a quais interesses etc.

Referências:

DÍAS, Carlos J. Delgado. Hacia un nuevo saber. Havana: Acuario, 2011.
MORIN, Edgar. El Pensamiento Ecologizado. Gazeta de Antropologia, n.12, 12-01. 1996.

Bento Áviles cultiva seu tempo como Pesquisador e Consultor em Psicologia Transpessoal, Pensamento Complexo e Diversidade & Inclusão. Facilita experiências de cocriação de negócios com o Projeto Empreendedores do Bem no qual euempreendedores como artistas e terapeutas são convidados a trazerem para o mundo Startups inspiradoras.
Formado em Tradução pela Universidade Federal de Ouro Preto e Intercâmbio na Universidade do Porto em Portugal, atualmente dedica-se ao seu Mestrado em Pensamento Complexo pela Multiversidad Mundo Real Edgar Morin. É membro da delegação do Brasil no Programa Internacional para Formação de Líderes — The Ship for the World Youth (SWY20)— organizado pelo governo do Japão e apoiado pela ONU.
Possui formações em Biopiscologia, Fluxonomia 4D, Design Thinking, Gerenciamento de Processos e Projetos.
Pós-graduado em Psicologia Transpessoal pela Unipaz São Paulo, atua há 10 anos em multinacionais de tecnologia (IBM, HP, DXC), nas áreas de Gerenciamento de Projetos e em Consultoria de Recursos Humanos para novos negócios.

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