Falar é uma necessidade, escutar é uma arte.
Johann Wolfgang von Goethe
Nos últimos dias, escrever sobre a escuta tem sido um desejo latente. Em um primeiro momento, a minha autocrítica julga ser desnecessário, uma vez que tantos já falaram tão lindamente sobre este tema. Porém, o impulso se mantém presente e começo a investigar de que lugar nasce essa necessidade. As respostas parecem ser muitas, entre elas, talvez porque escutar sempre foi para mim um grande exercício, talvez porque ao escutar o outro me são revelados aspectos de mim mesma, talvez porque não tenha sido escutada, talvez porque minha mente esteja barulhenta… Sem respostas, decido escrever para que “talvez eu me escute”.
Percebo que o “ato de escutar” ao longo da minha vida se revela de forma complicada e sutil. Me encanta aqueles que possuem o “dom da escuta”. Para mim, um dos projetos mais lindos que a Unipaz São Paulo já desenvolveu foi a Roda de Escuta: Cuidado integral, um espaço de escuta virtual, que nasceu em meados de 2020 para acolher incômodos, sentimentos, pensamentos, sensações, insights em tempos de confinamento pandêmico. Parece que chegamos num tempo em que perdemos a nossa capacidade de escutar e, por isso, honro as criadoras desse projeto que nasce de suas aspirações genuínas.
Antes de versar sobre a escuta é preciso relembrar as diferenças entre ouvir e escutar. O verbo ouvir é involuntário. Do latim, audire, refere-se à percepção das ondas sonoras através do sistema auditivo. Quem ouve está próximo do som original que se transmite por ondas. Já o verbo escutar é voluntário, por isso, perpassa as fronteiras do ouvir. Do latim, auscultare, ele significa ouvir com atenção. Escutar e ouvir, então, são diferentes, não em relação ao que é ouvido, mas em relação a quem escuta e ao como escuta.
Escutar é uma ação ativa que acontece quando acolhemos o outro ou a nós mesmos voluntariamente. Escutar é silenciar-se. É ter a ousadia de sair de si, de não ser. Escutar é esvaziar-se. É despir-se do que se aprendeu e esquecer de quem pensa que é. Escutar é desapegar-se. É curar os medos, as inseguranças, os ressentimentos, os julgamentos e as certezas. Escutar é reconhecer-se. É afirmar o outro em sua alteridade. Escutar é essencializar-se. É acolher a si, o outro e a natureza na sua integralidade. Escutar é entusiasmar-se. É confiar no tempo sagrado. Escutar é presenciar-se. É estar inteiro no aqui-e-agora.
Nós vivemos um tempo em que somos convocados a contribuir para a cura do mundo. Para Roberto Crema, Mudar o Mundo é Mudar o Olhar, e toda mudança começa pela escuta. Transcender as atitudes que nos levam sempre aos mesmos lugares é experienciar cotidianamente a escuta essencial. Para além do ouvir, precisamos aprender a escutar o corpo, a respiração, os ditos e não-ditos, o coração, os sonhos, o silêncio, a voz interior, a natureza. É ousar escutar o que ainda não se ouviu, viu ou presenciou. Escutar é a arte de falar, de ouvir e ao mesmo tempo escutar. É apropriar-se de quem se é para transformar a própria existência numa obra de arte.
Concordo com Fernando Pessoa quando diz que “há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já têm a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos.”
Nelma Da Silva Sa é facilitadora de processos de ampliação de consciência nas dimensões individual, social e ambiental. Elabora metodologias inovadoras de aprendizagem para programas de transformação pessoal e coletiva desde 2004. Coordenadora pedagógica e facilitadora dos cursos de Psicologia Transpessoal, Transdisciplinaridade, Autogestão e Eneagrama da Unipaz São Paulo. Atua como coach em processos de transição de carreira com aplicação de instrumentos de Assessment e Mapeamento Pessoal. Interventora e Especialista em Diagnósticos e Compreensão de Cenários pelo Sistema TSER. 25 anos de experiência corporativa em implementação e gestão de projetos, desenvolvimento de equipes e lideranças. Tem MBA em Dinâmica Organizacional e Gestão de Ambientes de Aprendizagem. Pós-graduada em Transdisciplinaridade e Desenvolvimento Integral do Ser Humano. Pós-graduanda em Psicologia Transpessoal. Formada em Pedagogia e Administração de Empresas. Diretora Presidente da Unipaz São Paulo e responsável pela área pedagógica.