“Quem sou eu? é a pergunta chave que abre o caminho para o autoconhecimento… “
Heliane Carnevalli
“Quem sou eu?” é a pergunta chave que abre o caminho para o autoconhecimento. Aliada à pergunta “Onde estou?”, consigo de certa forma dimensionar o “como” sou capaz de atuar neste mundo com consciência, com propósito.
O autoconhecimento é fundamental para o desenvolvimento pleno do ser humano. Não é possível, iniciado conscientemente o caminho do autoconhecimento, exercer qualquer função – e, aqui, falaremos da área educacional – se não tenho respondido honestamente para mim mesma a essa milenar questão. Este singular exercício traz um novo olhar para o Eu e, assim, passo a “enxergar” o Outro a partir desse novo olhar.
Nestes tempos de coronavírus, explodiram as lives sobre mudanças na educação pós pandemia. Com o esvaziamento repentino das escolas, tivemos que repensar, praticamente da noite para o dia, novas formas de manter contato com os alunos e continuar o processo de ensino-aprendizagem. Tivemos que enfrentar cara a cara o que já estava escancarado: não existe educação nas nossas escolas! Logicamente, estou fazendo uma generalização negativa. Mas torna-se evidente que precisamos exercitar um novo olhar para o fazer educação, para os conteúdos e para os contextos, para a correta utilização da tecnologia a serviço da educação, para as relações da escola com os alunos e com as famílias dos alunos. Enfim, são desafios imensos nas esferas pessoal, relacional, institucional e nas políticas públicas.
O fato é que não podemos negar que um novo paradigma emerge e está se impondo, mudando a nossa percepção de mundo e de nós mesmos, enquanto seres humanos. Um mundo que está pedindo transformações rápidas, não de “coisas”, mas de pessoas. Pessoas precisam ser transformadas em seres humanos plenos, íntegros. Precisam desenvolver a sua humanidade. E não dá mais para deixar para depois. Aspiramos a ser melhores como cidadãos e como pessoas que ainda acreditam no poder da educação…
A educação precisa mudar o seu foco. E o foco é educar o humano. Diz Roberto Crema, reitor da Unipaz, no seu livro Pedagogia Iniciática: uma escola de liderança: “Gosto de confiar que o ser humano será a maior descoberta do século XXI. Caso contrário, haverá século XXI para o ser humano?”
Ao entender o caminho do autoconhecimento como um processo de educação, uma de minhas aprendizagens foi reconhecer que há dois tipos de educação: aquela que se relaciona ao conhecimento das coisas externas e aquela que se refere ao aprendizado superior ou à vida no sentido verdadeiro. O primeiro tipo tem como único objetivo a informação, priorizando a cabeça, o cérebro. Esta é uma das razões pelas quais o ser humano encontra-se tão afastado de sua natureza espiritual.
No segundo tipo, abrimo-nos para novas posturas e visões da vida; incorporamos novos conceitos; experimentamos diferentes caminhos dos usualmente trilhados. E, assim, experienciamos resultados de transformação em nós. Ao nos transformarmos, possibilitaremos esse mesmo processo a outros, a fim de que, assim como nós:
– também vivenciem e reconheçam em si, integrados, os aspectos físico, emocional e espiritual do ser;
– também percebam o outro, na relação, como aquele com quem trocamos experiências, ideias, convivemos e nos reconhecemos como seres portadores de Luz;
– e, também como nós, relacionem-se harmoniosamente com a natureza, com o ambiente no qual convivem e com o qual interagem, percebendo a interdependência e reconhecendo o sentido de pertencimento.
Dispomo-nos, neste segundo caso, a integrar cabeça, coração e mãos: o pensar, o sentir e o agir. Enfim, fazermo-nos congruentes.
Acredito que este caminho interiorizado de educação, cujo objetivo é a transformação, priorizando o coração, deveria ou deverá ser o foco da educação pós pandemia nas nossas escolas. E o professor seria o principal facilitador dessa transformação.
Parece haver uma diferença gritante entre ser professor/educador e ser facilitador; entre ser aluno e ser aprendiz. Uma diferença de nomenclatura. Mas não só. Uma diferença de paradigma. Pierre Weil nos explica que o professor transmite conhecimento para um aluno que é objeto de ensino; o facilitador é um catalisador da evolução vivenciada pelo aprendiz, que é um participante ativo do processo educativo.
O facilitador, então, é aquele que facilita o processo de aprendizagem do aprendiz e posiciona-se como mediador nesse processo, isto é, interage com os aprendizes em uma construção coletiva do conhecimento. Apresenta ainda outras características: disposição contínua para aprender, atualizar-se e antecipar resultados; pesquisar, desenvolver alternativas e implantar soluções, além da capacidade de preparar o aprendiz para autodesenvolver-se, de forma continuada, capacitando-o para exercer atividades profissionais, sociais e culturais.
Entendo também que o facilitador vai além; ele atua como terapeuta, quando se coloca na posição de escuta amorosa, no sentido de interpretar os anseios dos aprendizes que ele acompanha, reconhecendo cada um na sua individualidade, como ser humano em processo de aprendizagem e crescimento, respeitando os ritmos individuais, sem julgamentos e sem rótulos. Nas palavras de Roberto Crema, a tarefa fundamental do terapeuta e, neste caso, do facilitador, é escutar, interpretar, abençoar e sorrir.
Será, pois, preciso mudar também o olhar que se tem para o aluno, ou seja, para o aprendiz e considerá-lo do ponto de vista evolutivo como um ser humano que traz tendências, impulsos e capacidades já iniciadas ao longo de muitas encarnações. Visão esta que muito contribuirá para que o educador entenda educação como processo e passe a ver o educando holisticamente, considerando-o na sua expressão bio-psico-social, cósmico e espiritual. Em síntese, é preciso apreender o ser humano nas suas quatro dimensões: corpo, mente, consciência e alma.
Neste sentido, é que penso que a formação do professor deverá incluir, necessariamente, além da competência técnica, o caminho do autoconhecimento, pois ao estimular as pessoas a buscar nelas mesmas o que é saudável, a centrar-se no que têm de melhor e de mais forte, a expressar as suas experiências de êxito e de sucesso, elas se colocam em uma expectativa de mudança de pensamento, de atitudes, de sentimentos, enfim, num processo de autotransformação, porque essa transformação só pode acontecer de dentro para fora e nunca ao contrário.
De uma perspectiva iniciática, o homem é o único ser vivente capaz de exercer a reflexão. Vamos, pois, exercê-la nesse momento conturbado, mas precioso de nossas vidas para implementarmos mudanças necessárias sejam no âmbito individual, social ou ambiental.
A reflexão constitui uma ferramenta poderosa no trabalho de autotransformação, ajudando-nos a buscar nosso centro positivo de mudança. Ao desenvolvermos o potencial positivo em nós, ao nos reconhecermos agentes de mudanças, ao nos permitirmos a autotransformação, tornamo-nos líderes de nossa própria vida. Convivendo harmoniosamente conosco mesmos e com o outro, ajudamos a melhorar a sociedade em que vivemos, com atitudes conscientes, como corresponsáveis na condução de uma sociedade mais justa, mais fraterna e solidária.
Heliane Carnevalli participa há 13 anos como membro da diretoria executiva, do conselho gestor e da equipe pedagógica da Unipaz São Paulo. Especialista em Transdisciplinaridade em Saúde, Educação e Liderança pela Universidade Internacional da Paz – Unipaz São Paulo e em Psicologia Transpessoal pela Alubrat – Associação Luso-Brasileira de Transpessoal. Formada em Letras e Pedagogia, atuou como professora e diretora de escola na rede pública estadual e como coordenadora pedagógica do Centro de Estudos de Línguas e da Oficina Pedagógica da Diretoria de Ensino Centro-Sul em São Paulo.