Unipaz São Paulo

UNIPAZ SÃO PAULO

Na lua cheia do mês de maio, comemorou-se o dia de Wesak. Nesta data, em especial para os budistas, os três grandes eventos da vida de Sidarta Gautama, o Buda – nascimento, iluminação e deixar o corpo físico – são comemorados já que os mesmos aconteceram numa lua cheia do mês de maio, motivo pelo qual ficou conhecida como a “lua cheia de Buda”.

Segundo sabedorias antigas, Wesak é um momento muito significativo, pois através do Buda e do Cristo e de mestres de todas as tradições espirituais, o Divino ou  Transcendente envia bênçãos e energias de iluminação ao planeta e a toda a humanidade. Neste momento do ano, somos convidados a entrar em sintonia com tais energias, absorvendo-as e auxiliando a propagá-las, mas penso que também há um convite para refletirmos sobre nossa condição: quem verdadeiramente somos e até onde podemos chegar, evoluir? Podemos nos tornar budas ou cristos?!

Esta história tão interessante traz em si vários aspectos sobre transpessoalidade e virtudes humanas e gostaria de trazê-los como pontos para reflexão e tentativas de respostas às minhas perguntas. 

Comecemos pelos conceitos de Buda e Cristo. Em Psicologia Transpessoal, estas são designações referentes a estados de consciência sublimes, plenamente amplos e amorosos. São estados de desenvolvimento da essência humana ou do self num nível imenso e que levam a um permanente estado de amorosidade, doação, compaixão. Sidarta Gautama e Jesus de Nazaré, o Buda e o Cristo respectivamente, fizeram parte da nossa humanidade e atingiram, por caminhos diversos, este estado de profunda ampliação permanente de consciência, daí receberem os títulos de Buda e Cristo. 

O ponto aqui é: será que nos damos conta de que este potencial búdico e crístico é humano? Que está inscrito na nossa constituição humana?! 

Abraham Harold Maslow, expoente do Humanismo em Psicologia (3ª Força) e um dos fundadores da Psicologia Transpessoal (4ª Força), argumentou incansavelmente sobre a falta de importância dada aos máximos potenciais humanos, entre outros, como fatores importantes na dinâmica do psiquismo humano dentro das abordagens psicológicas da época. Estamos no final da década dos anos 1950, início dos 1960. As teorias psicológicas existentes não davam espaço a temas como o amor, a beleza, a criatividade, os valores, as virtudes, as experiências transcendentes, o afeto, o bom humor etc.

A ideia de que há uma organização dinâmica das funções psíquicas, que estão em constante integração e interação com o meio, trouxe nova forma de compreender o ser humano. Dentro desta perspectiva, a autorrealização – busca por sermos o mais plenamente aquilo que podemos vir a ser, seria “a força motivacional que impulsiona na direção deste contínuo processo de integração e crescimento da própria personalidade, vista portanto, como o fruto da organização psíquica.” (Nocelli, 2011, p. 123)

A Psicologia Humanista, precursora da Psicologia Transpessoal, busca compreender o ser humano em sua totalidade e propõe que a Ciência ortodoxa reveja suas convicções, ajudando a realização plena e positiva do ser humano. A grande novidade da 3ª Força é olhar não apenas para o patológico e disfuncional, mas também para os aspectos saudáveis do ser. Reforça-se a importância de se considerar, nas pesquisas científicas, a experiência pessoal e subjetiva, integrando mais o método qualitativo.

Consequentemente, muda-se a concepção de ser humano como sendo muito mais do que a resultante de um jogo de forças entre pulsões, hereditariedade e o ambiente como propunha a Psicanálise. Ser humano compreende, também, a busca por sentido e significado para o viver e a aspiração por valores e conteúdos autênticos!   

Estas ideias apresentam um ser humano em constante movimento rumo à autorrealização e responsável por suas conquistas na vida, olhando não apenas para seu passado e sofrimentos, mas também para seu vir a ser e aspectos saudáveis.

Neste contexto, a Psicossíntese de Roberto Assagioli também pode ser considerada como uma abordagem humanista, pois entende como fundamentais as experiências de identidade e autoconsciência, a vontade – função psíquica que nos permite realizar as mudanças necessárias ou desejadas por nós em nós mesmos e nas circunstâncias à nossa volta, o conceito de síntese em termos de harmonia do ser humano consigo mesmo, com os demais e com a natureza, a influência dos valores na vida das pessoas e assim por diante.

A Psicossíntese, enquanto método terapêutico, promove na pessoa uma clara concepção da vida psíquica como algo dinâmico e com ilimitadas possibilidades de desenvolvimento e autorrealização. Por isto é considerada precursora da 3ª Força em Psicologia. Porém, Assagioli entendia que faltava algo fundamental a ser considerado pelas abordagens dentro da Psicologia Clínica: as questões espirituais.

Ao estudar indivíduos autorrealizados, Maslow se depara com experiências transcendentes vividas por tais indivíduos, chamadas por ele de experiências de pico. Estas, segundo a APA-Associação Americana de Psicologia são

“… um momento de admiração, êxtase ou de percepção repentina da vida  como uma unidade poderosa que transcende espaço, tempo e a personalidade. A experiência de pico, às vezes, pode acontecer para pessoas em sua busca de autorrealização.” (Livre tradução do conceito em https://dictionary.Apa.Org/peak-experience – consultado em 17/05/2022) 

Diante de tais experiências, Maslow declara estar convencido de que “…um modelo de ciência livre de valores, valores imparciais e valores de evitação… é bastante inadequado para o estudo da vida.” (Maslow, 1994, p. 20) , e situou as experiências de pico no centro da espiritualidade, mostrando que vivenciá-las poderia afetar permanentemente a postura das pessoas diante da vida, impedir suicídios e comportamentos autodestrutivos, já que é um momento de transcendência do ego, quando se percebe o sentido e a importância da vida e da própria existência para muito além das determinações e papéis sociais.

Assim, o Humanismo ou 3a Força foi uma preparação para a 4a Força ou Psicologia Transpessoal que Maslow considerava “ainda mais elevada, transpessoal, transhumana, centrada mais no cosmo do que nas necessidades e interesses humanos, indo além do humanismo, da identidade, da individuação e quejandos.” (1968/1969, p. 12)

Ao focar no estudo dos estados não ordinários de consciência, como as experiências de pico, a Psicologia Transpessoal se ocupa do nível mais alto da psique de onde também se originam as expressões criativas, os estados de iluminação, os impulsos altruístas e assim por diante.

Segundo Maslow, sem a realidade transcendente, sem o transpessoal, podemos adoecer, nos tornarmos desesperançados e até violentos, pois “Necessitamos de ‘algo maior do que somos’, que seja respeitado por nós próprios e a que nos entreguemos num novo sentido, naturalista, empírico, não eclesiástico…” (1968-1969, p. 12) É assim que a Psicologia transpessoal se propõe a traduzir em uma linguagem científica as propostas espiritualistas orientais como o Yoga, o Sufismo, o Budismo e outras tantas tradições espirituais que sempre consideraram naturais experiências como as experiências de pico.

Surge uma nova visão sobre o inconsciente, com potenciais intuitivos, arquetípicos e espirituais e não apenas instintivos, afetivos e mentais. A consequência é uma nova visão a respeito dos conceitos de desenvolvimento, maturidade, saúde e doença: crescer passa a ser sinônimo de uma progressiva integração, tanto no campo da consciência como das potencialidades latentes.

Boccalandro afirma que a “busca pelo crescimento pessoal passa pela melhoria da nossa personalidade, amando a nós mesmos, o outro, a natureza, a nossa mãe terra e toda a criação. As conquistas das qualidades positivas são fundamentais para este processo.” (2020, p. 10) A partir disso, desenvolve um trabalho referente às virtudes humanas, cuja sede é a região superior do inconsciente, ou supraconsciente na linguagem da Psicossíntese de Roberto Assagioli, na certeza de sua importância para a harmonização da vida cotidiana e como “atenuantes dos transtornos podendo prolongar a vida.” (2009, p. 15)

Assagioli nos fala sobre a importância de considerarmos os aspectos saudáveis e iluminados do supraconsciente o qual compara ao sótão de um edifício! Diz ele:

“… no edifício psíquico não há apenas os subsolos insalubres a sanear, mas também os vários planos, e por fim os sótãos iluminados com amplos terraços, onde se recebem os raios vivificantes do sol, e à noite se pode contemplar as estrelas.” (Aula de 1963, página 04)

Assagioli nos mostra com esta simbologia poética que trazemos em nós potenciais positivos, saudáveis que nos permitirão olhar para nossa existência e para a vida de forma mais positiva, com esperança e confiança de que seremos capazes de superar nossas dificuldades, de irmos para além de nosso estado de consciência atual e assim atingirmos estados de consciência cada vez mais amplos e harmoniosos.

Segundo Boccalandro, estimular as virtudes humanas é uma forma de atingirmos esta ampliação proposta por Assagioli e Maslow. Nos estudos destes dois autores a respeito dos níveis ou estados superiores de consciência, chegam a características muito semelhantes sobre os mesmos, mas principalmente descrevem este estado de ampliação da consciência como semelhante a um estado de iluminação. 

Assagioli afirma que o contato com esta dimensão transcendente 

“…’lança luz’ sobre os problemas, sobre as dúvidas e os dissipa; é a luz intuitiva de uma consciência superior. A esta, geralmente acompanha um sentimento de alegria, de júbilo que chega a estados de bem-aventurança. E com estes, ou independentemente, uma sensação de renovação, de regeneração, de ‘nascimento’ de um novo ser em nós.” (1988, p. 24)

O exercício das “Palavras Evocativas” proposto por Assagioli, é um método de sugestão que objetiva utilizar influxos psíquicos no auxílio à modificação dos estados de ânimo e assim motivar nossa conduta. 

Então, volto às perguntas que fiz no início deste texto: 

  1. quem verdadeiramente somos e até onde podemos chegar, evoluir? 
  2. podemos nos tornar budas ou cristos?! 
  3. será que nos damos conta de que este potencial búdico e crístico é humano? Que está inscrito na nossa constituição humana?! 

Considerando que o psiquismo tem em si uma dimensão superior – o supraconsciente que nos permite entrar em contato com dimensões muito amplas de realidade como as experimentadas nas experiências de pico, uma possível resposta à pergunta 1 é: sim, a evolução da consciência humana vai para muito além daquela conquistada apenas pelo desenvolvimento intelectual. Os máximos alcances da evolução humana passam, indiscutivelmente, por nossa evolução ética e moral, de valores. Sem desenvolvermos ou evocarmos as virtudes humanas, mesmo que através de exercícios sugestivos como o das Palavras Evocativas, dificilmente nos permitiremos ir além da visão evolutiva proposta pelo ego, evolução racional e apegada às regras da cultura à qual estivermos imersos.

Consequentemente, uma resposta à pergunta 2 seria um “grande e sonoro” SIM! Podemos nos tornar budas ou cristos, cujos comportamentos e posturas exalam virtudes como Amor, Bondade, Justiça e Beleza. Podemos começar esta conquista consciencial por meio do estímulo em nós da vivência cotidiana de tais virtudes, o que pode facilitar estados de consciência cada vez mais amplos e até vislumbres e vivências de dimensões ou estados de consciência transpessoais. 

E finalmente, as perguntas de número 3: Assagioli e Maslow foram unânimes em declarar que o transcendente e o transpessoal necessitam ser reconhecidos para então poder serem experimentados e integrados em nossa vida. Uma das formas sugeridas por estes autores é conhecermos a biografia de pessoas que atingiram seus máximos potenciais de humanidade, cuja característica essencial é a de buscar bem-estar no nível pessoal, mas também para seu entorno e da humanidade inteira – exemplo de vida virtuosa.

Como diz Boccalandro, “… as qualidades positivas, quando acionadas em nós, remetem-nos à aquisição de outras qualidades positivas. As virtudes, geralmente não vêm isoladas, elas acionam outros estados positivos em nós.” (2009, p. 206) 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ASSAGIOLI, Roberto. Corso di Lezioni sulla Psicosintesi. Istituto di Psicosintesi di Firenzi, 1963.

________________. Lo Sviluppo Trans Personale. Roma, Itália: Casa Editrice Astrolabio – Ubaldini Editore, 1988.

________________. Ser Transpersonal. Psicosíntesis para el nacimiento de nuestro Ser real. Madrid, Espanha: Gaia Ediciones, 1993

BOCCALANDRO, Marina Pereira Rojas. As Virtudes na Psicoterapia e na Qualidade de Vida. São Paulo-SP: EP Editora Plêiade, 2009.

________________. Qualidades Positivas. Benefícios para sua vida. Jundiaí-SP: Paco Editorial, 2020.

MASLOW, A. H. Introdução à Psicologia do Ser. Sem Data de Edição (possivelmente 1968/1969): Livraria Eldorado Tijuca Ltda, Rio de Janeiro-GB.

NOCELLI, Petra Guggisberg. La Via Della Psicosintesi. Una guida completa con una biografia di Roberto Assagioli. Firenze, Itália: L’Uomo Edizioni, 2011.

SALDANHA, Vera. Psicologia Transpessoal. Abordagem Integrativa – Um Conhecimento Emergente em Psicologia da Consciência. Ijuí-RS: Editora Unijuí, 2014.

Maria Beatriz da Silva Mattos éPsicóloga, Supervisora Clínica, Orientadora Vocacional. Mestre em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo-PUCSP, Pós-graduada em Orientação Profissional pelo Instituto Sedes Sapientiae. Formação em Psicossíntese pelo CPSP-Centro de Psicossíntese de São Paulo, Formação em Psicologia Transpessoal pela ALUBRAT – Associação Luso-Brasileira de Transpessoal. Bacharel em Psicologia pela Universidade de São Paulo-USP e Psicóloga pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas-PUCCAMP. Voluntária em instituições filantrópicas desde 1988.

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