“Tão abstrata é a ideia do teu ser
Que me vem de te olhar, que, ao entreter
Os meus olhos nos teus, perco-os de vista,
E nada fica em meu olhar, e dista
Teu corpo do meu ver tão longemente,
E a ideia do teu ser fica tão rente
Ao meu pensar olhar-te, e ao saber-me
Sabendo que tu és, que, só por ter-me
Consciente de ti, nem a mim sinto.”
Desde a juventude este poema de Fernando Pessoa me faz pensar no encanto que há em cada encontro.
Cada vez que me deparo com outra alma que, assim como a minha, compartilha a existência terrena e suprema no espaço deste instante, sinto o mistério maior que nos abraça.
Encontrar o não-aparente no outro desperta o não-criado em mim. Olhar de um ponto equidistante, o que está face a face, aproxima as almas que se tocam no fluxo da grande vida.
O que eu vejo quando realmente te vejo? Não consigo descrever, apenas sustento o olhar até ampliar a percepção da realidade por trás da realidade.
De tudo que me é permitido ouvir, subtraio as palavras e deixo o silêncio ressoar no campo sagrado entre nós.
No corpo que me é dado tocar, convido cada gesto a dançar suas alegrias, dores e fantasias, até que seja possível esvaziar os movimentos dos seus significados.
Apenas o fluxo da imobilidade no bailado perfeito entre o nascer e o morrer para a vida.
Por décadas, acreditei que essa percepção de uma outra realidade subjacente ao que é concebido como real e material fosse uma fuga do momento presente, dos desafios diários, da vida cotidiana. Eu a classificava como uma ânsia de estar em outra história, de transformar sofrimento em sorrisos espontâneos e, se possível, em alegrias gargalhadas.
Hoje, consciente das infinitas dimensões que me rodeiam e da natureza das histórias que me habitam, faço como o poeta: entretenho meus olhos na imagem refletida no espelho até perdê-los de vista.
Assim a ideia do meu Ser pode ficar bem rente, a ponto de eu poder tocar o poço da calma, sentindo a beleza da vida como ela é: um lugar onde as tristezas, certezas, delicadezas e fraquezas se encontram, seguindo sempre em frente no encantado caminho da inteireza.
Lenita Fujiwara é Redatora, reikiana, recém-desperta da Normose e, pela forte ressonância com os Terapeutas do Deserto, é aspirante ao Colégio Internacional dos Terapeutas.