A encantadora prática da escutátoria e a atenção plena facilitando a escuta sensível.
“Uma escuta de maneira calma e tranquila, em silêncio, sem dar conselhos”. É assim que Rubens Alves provoca o leitor ao definir a Escutatória em sua famosa crônica publicada no livro O Amor que Acende a Lua (editora Papirus, 1999). Ele completa: “A fala só é bonita quando ela nasce de uma longa e silenciosa escuta. É na escuta que o amor começa. E é na não-escuta que ele termina”. Para coroar seu argumento, Rubem Alves parafraseia Alberto Caeiro: “Não é bastante ter ouvidos para ouvir o que é dito. É preciso também que haja silêncio dentro da alma.”
Essa atitude silenciosa e atenta surge como pré-requisito para que se estabeleça uma escuta sensível, e a partir dela, relações mais saudáveis. É uma atitude que muda nossa forma de compreender a escuta e a comunicação, tradicionalmente concentrada na mensagem, compreensão da mensagem e na resposta para quem falou.
Assim, a Escutatória inverte este olhar, passando a dar foco também ao “escutador”. Trata-se de perceber como a fala do outro reverbera em quem escuta e, a partir desta compreensão mais silenciosa e profunda, deixar emergir uma resposta muito mais adequada e criativa.
Nessa escuta, é possível integrar o conjunto de trocas que ocorre entre nós durante nossas interações, percepções de sentimentos, falas, movimentos, intuições, isto é, todos os elementos que integram o contato que realizamos conosco mesmos, com as pessoas e com o ambiente. Dessa forma, a escuta é compreendida em sua integralidade de dimensões.
A Escutatória inicia pela autopercepção, pois os elementos traduzidos por meio dela são sempre filtrados pelo nosso “conjunto de mim mesmo”, pelas nossas crenças, sentimentos e experiências.
Para entender com maior clareza como essa recepção se dá, podemos recorrer ao psiquiatra e psicoterapeuta Carl Jung (1875-1961), que afirmou empiricamente que a consciência tem quatro modos de se adaptar ao mundo (2005). Ele os chamou de funções psíquicas: sensação, pensamento, sentimento e intuição. Assim, podemos compreender a nossa escuta inicialmente por essas quatro funções, fazendo as seguintes perguntas:
- Sensação: quais as sensações que tenho acerca desta fala? O que capto com meus cinco sentidos: o que escuto, o que vejo, o que percebo em minha pele, que sabores sinto?
- Pensamento: que pensamentos me vêm à mente?
- Sentimentos: como me sinto?
- Intuição: que percepções inesperadas e explicadas se apresentam?
Quando não se tem a consciência de como a fala do outro ressoa em nós, corre-se o risco de atribuir ao emissor intenções, pensamentos e motivações que são nossos. Esse exercício cotidiano da escuta nos transforma em “observadores de nós mesmos”, abrindo graus de liberdade de ação e nos tirando da armadilha da normose, como observa Roberto Crema.
Para exemplificar, vou partilhar uma experiência que vivenciei com uma pessoa muito próxima, que amo demais. Minha filha, que, aos 13 anos de idade, veio até mim e tivemos a seguinte conversa:
__ Pai, posso namorar?
Ao receber essa pergunta, naturalmente você pode imaginar como fiquei desconcertado. Até perceber que, na verdade, eu não sabia realmente do que ela estava falando. Então, resolvi questioná-la:
__ Filha, o que é namorar aos 13 anos de idade?
Ela, que não esperava a devolutiva, pensou um pouco e disse:
__ Ora, pai, é assim, ficar junto com meu amigo mais que com os outros, conversar no recreio, acho que é isso.
Como pai e não satisfeito, insisti:
__ Quando se namora aos 13 anos tem beijo?
Logo, ela me respondeu:
__ Lógico que não, pai, que nojo…
Então (aliviado), meu posicionamento foi claro e rápido:
__ Lógico que pode, querida.
É um diálogo bem simples, que ensina muito sobre a escuta e o quanto ela merece um olhar socrático: “Só sei que nada sei”.
Cesar Caminha é Terapeuta Transpessoal, Economista e Designer de Estratégias. Tem desenvolvido atividades voltadas para o desenvolvimento humano desde 1994, quando trabalhava na Caixa Econômica Federal e depois na Amana-Key, focando na formação de lideranças empresariais. Atua em projetos de Planejamento Estratégico Situacional para governos, iniciativa privada e organizações sociais.